“Meu filho foi abusado sexualmente pelo próprio pai.”

“Apareceu
A suspeita da devastação,
Da destruição.
Que ninguém viu, que surgiu
No silêncio, da tarde ou da noite.
Firmou-se na frente do muro.
Mudo.
Pela saída do fundo.
Na presença de todos.
E foi devastando devagar.”

(Abuso, de Margarete Marques, no livro Refazendo Laços de Proteção)

O texto retrata o drama ainda vivido diariamente por milhares de crianças vítimas de abuso sexual e de suas famílias devastadas pelo sofrimento e pela dor, como a do pequeno Lucas (nome fictício). Com apenas três aninhos, era um garotinho dócil e carinhoso. Um dia, no entanto, começou a roer unhas, a demonstrar ansiedade e tornou-se agressivo na escola. Como esta era a primeira escolinha em período integral, sua mãe, Felícia Balcon (nome fictício) achou, inicialmente, que ele estava apenas sentindo sua falta, por ser muito apegado a ela.

Lucas começou a apresentar um comportamento diferente também em casa. “No banho, ele dizia que eu tinha que enfiar bem o dedo no bumbum para poder limpar direito e eu ensinava que não era assim”’. Depois disso, certa vez quando ela estava sozinha com ele no quarto, o menino começou a mostrar como brincava com o pai. Felícia já estava separada do ex-marido desde o nascimento do filho, que ele só via em alguns finais de semana. “Sabe, mamãe, o meu pai tem uma ferramenta de massinha…”, depois ria nervoso. “É só brincadeirinha, mamãe, a ferramenta de massinha é o pipi do meu pai, que ele coloca na ferradura”’, dizia o menino. “’Meu mundo desabou! Era como se tivessem aberto um buraco no chão. As peças começavam a se encaixar, mas eu não queria acreditar que o próprio pai tivesse coragem de fazer uma coisa destas!”, conta Felícia.

Algum tempo antes, quando Lucas completou dois anos, Felícia estava namorando um rapaz que também tinha um filho pequeno e achou que deveria tentar uma reaproximação de Lucas com o pai, pois ele era totalmente ausente. Ele ficou, então, com o pai em alguns finais de semana. Segundo Felícia, o pai já tinha apresentado um comportamento esquisito uma vez, quando numa brincadeira enrolou o corpo inteiro de Lucas com fita crepe, mas ela não desconfiava de nada mais sério. Um dia, ele pediu a Felícia que o deixasse viajar com o filho e ela autorizou, contente com o “suposto” interesse maior dele por Lucas. Na verdade, ela ficou sabendo depois, que foram para uma cidade a 100 km de onde o pai disse que iria…

Ao voltar de viagem, Lucas chegou de banho tomado e sem sua mala de roupas.  Foi recebido pela avó, porque Felícia tinha viajado com o namorado. Estava extremamente agitado e depois reclamou para a mãe que estava com “dores no pipi e no bumbum”.

“Quando eu fui ver o ferimento, já tinham se passado quase 24 horas. Meu filho dizia que o pai havia apertado seu pipi. Mesmo desconfiando eu não queria acreditar. Nunca pensei que isso pudesse acontecer com o meu filho. Ouvia falar de casos de abuso, mas achava que era uma realidade distante, que nunca ia acontecer com minha família, por ser tão absurdo. Imaginava que era coisa apenas de pessoas de uma classe social muito baixa, sem instrução nenhuma ou noção de família”, afirma.

“Esta hora é muito difícil para uma mãe, porque a gente tem que tomar uma decisão rápida, mas não encontra apoio de ninguém. Fiquei desesperada e desabafei com minha família, mas eles também tinham dificuldade para lidar com o abuso e acharam melhor eu abafar o caso”, diz. Felícia acabou levando o filho para um Pronto Socorro, quase 48 horas depois, e foi atendida por uma médica recém-formada. Mas, estava com tanta vergonha que nem falou de sua suspeita. “Se eu tivesse levado meu filho a um pediatra especializado imediatamente, teria conseguido um laudo comprovando o abuso. Como demorei demais para fazer o exame e o boletim de ocorrência, ficou muito mais difícil incriminar o agressor. Hoje, sei que a gente não pode se calar e espero que meu depoimento possa ajudar outras mães a tomarem coragem para denunciar os abusadores e proteger seus filhos”.

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