Rainha da Suécia fala nas Nações Unidas: “Temos que quebrar o silêncio e encontrar formas construtivas de prevenir todas as formas de abuso infantil.”

A S.M. Rainha Silvia da Suécia, idealizadora e fundadora da World Childhood Foundation, discursou em reunião nas Nações Unidas, em Nova York, no dia 29.09, véspera da Cúpula sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para a adoção do próximo conjunto de metas globais.

A monarca destacou a ação da World Childhood Foundation que conta com sedes na Suécia, Brasil, EUA e Alemanha e já ajudou mais de 600 projetos, em mais de 20 países.

No evento intitulado Sustainable Development Goals Summit (Cúpula sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), a S.M. Rainha Silvia da Suécia chamou atenção para a integração do tema proteção de crianças às discussões decorrentes no encontro.

Conheça o discurso na íntegra:

“ Excelentíssimos senhores, senhores Ministros, Ilustres Convidados, Senhoras e Senhores,

É com grande satisfação que estou aqui com os senhores e senhoras na sede das Nações Unidas, na véspera da Cúpula (sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) para a adoção do próximo conjunto de metas globais. Estou sensibilizada que uma das novas metas refere-se ao Objetivo 16.2: “Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças”, meta que nós, da World Childhood Foundation, estamos buscando alcançar há mais de 15 anos.

Tenho esperança de que a nova agenda: “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para Desenvolvimento Sustentável” vai nos ajudar a garantir a cada criança a oportunidade de alcançar seu pleno potencial.

Reconhecendo a importância das interligações e da natureza integrada dos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, líderes de governos, o sistema das Nações Unidas, a sociedade, bem como os setores privado e acadêmico irão desempenhar um papel fundamental para garantir que este novo quadro global possa beneficiar todas as crianças. Portanto, vislumbro este evento como uma oportunidade para destacar não apenas o que devemos fazer, mas também o que podemos fazer, ou seja, quais as soluções que já temos e quais as melhores maneiras de ampliá-las, para que possamos enfrentar os desafios que parecem insuperáveis para a sociedade em geral.

Estou consciente de que este desafio pode ser abordado, da mesma forma que o objetivo de reduzir a pobreza está sendo tratado com êxito, ressaltando que há mais de vinte anos ninguém acreditava que isso seria possível. Posso afirmar essa realidade porque minha família e eu estivemos profundamente engajados com os direitos das crianças, por mais de duas décadas, na Suécia e em vários outros países.

Recentemente, tive a satisfação de participar de uma conferência maravilhosa no Vaticano, organizada pela Pontifícia Academia das Ciências Sociais e da Embaixada da Suécia junto à Santa Sé. O tema foi o tráfico de crianças! Este evento extraordinário foi uma realização do compromisso pessoal do Papa Francisco. Acredito que possam imaginar meus sentimentos ao encontrar com esse santo homem para discutir o nosso compromisso mútuo de que a infância não seja tirada de milhões de crianças do mundo.

Tudo começou para mim em 1994, quando eu, juntamente com a Organização Mundial de Saúde, fundei a Mentor Foundation, uma ONG que hoje opera em oito países com projetos implementados em mais de 60 nações. Os programas-chave da Mentor têm foco em aproximar a vida de jovens a adultos [mentores] conscientes e carinhosos.

O mundo mudou. Hoje testemunhamos um momento terrível de guerras, terrorismo, impiedosos cartéis de narcotráfico, fabricação de novas drogas sintéticas e uso indevido dos benefícios da Internet. Todas estas ameaças criam a possibilidade de abusar de nossas crianças. E, por que eu estabeleci a Mentor Foundation? Foi a minha crença de que havia a necessidade de uma organização para ajudar os jovens a rumar um futuro positivo em tempos difíceis, cuidando para que eles se tornem membros saudáveis e ativos na comunidade global, com oportunidades de realizarem seus plenos potenciais.

Ao longo de duas décadas, nós acumulamos know-how decorrente de programas de prevenção em muitos países, e já fomos beneficiados por compartilhar experiências e melhores práticas com especialistas internacionais. A colaboração internacional é fundamental para combater esta situação desafiadora. O nosso trabalho é hoje tão importante quanto há 20 anos.

Em 1996, a cidade de Estocolmo sediou o Primeiro Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Eu estava lá e nunca irei esquecer uma das palestrantes, uma menina que tinha sobrevivido ao tráfico sexual. Sua história me acompanhou por anos, especialmente porque eu sabia que ela era apenas uma criança entre milhões de crianças que são abusadas sexualmente.

Conheci também outra criança que me comoveu muito. Em uma de minhas viagens ao Brasil, onde eu cresci, decidi visitar uma favela. Lá, encontrei um garotinho que vivia em uma caixa de papelão. Imaginem que a proteção do garoto para todos os riscos imagináveis eram apenas seis pedaços finos de papelão! Após conhecer esse menino, e também a menina que foi traficada, resolvi fundar a World Childhood Foundation, em 1999.

No início, quis apenas chamar a atenção mundial para a escala de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, e a necessidade de protegê-las. Hoje, com sedes na Suécia, Brasil, EUA e Alemanha, a nossa fundação já ajudou mais de 600 projetos, em mais de 20 países.

O abuso sexual de crianças está fortemente associado ao estigma e, embora a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança seja a convenção da ONU mais ratificada, o fardo de abuso sexual de crianças continua sendo elevado em países desenvolvidos, bem como em países em desenvolvimento. Temos que quebrar o silêncio e encontrar formas construtivas de prevenir todas as formas de abuso infantil.

No Brasil, nossa sede foi a pioneira em abordagem inovadora de proteção de crianças contra a violência sexual, e essa iniciativa foi ampliada para engajar o setor privado, governo e a sociedade a trabalharem em conjunto. Agora, muitos caminhoneiros e trabalhadores da construção civil—que viajam longas distâncias—aprenderam a fazer parte da solução, em vez de fazerem parte do problema. A Childhood Brasil vem impulsionando um diálogo entre a sociedade, o governo e o setor privado, ajudando cada público a pensar em como cumprir da melhor forma seu papel.

A Childhood Brasil também liderou uma forte campanha durante a última Copa do Mundo, e agora está trabalhando em parceria com o Rio 2016 para espalhar a mensagem de que precisamos nos unir para proteger as crianças durante os próximos Jogos Olímpicos.

Com impacto no sistema brasileiro de justiça, nossa sede vem trabalhando com o governo para implementar o projeto “Depoimento Especial”, em que as vítimas de abuso sexual, ao invés de serem entrevistadas várias vezes durante os processos judiciais, sejam entrevistadas uma única vez, por especialistas treinados em técnicas de entrevista forense e psicologia infantil.

Aqui nos EUA, a Childhood está ajudando vítimas de abuso através do apoio em Centros de Defesa de Crianças, e também fornecendo recursos financeiros para serviços jurídicos para crianças de Honduras, Guatemala, El Salvador e México, que estão vindo sozinhas para os EUA, e desta forma correndo o risco de serem traficadas.

Todos os anos os projetos das fundações Childhood e Mentor contribuem para proteger milhares de crianças, em mais de 80 países. Essa é a BOA notícia! Mas há ainda milhões de crianças que precisam de nosso apoio.

O volume de crianças refugiadas na Europa, África, Ásia e outras regiões do mundo está aumentando de uma forma galopante. Essas crianças também merecem uma oportunidade! Todos os anos, mais de 200 milhões de crianças são vítimas de abuso sexual, e entre um e dois milhões são vítimas de tráfico sexual e trabalho forçado. Com o aumento do acesso à Internet e conectividade, estamos vivendo um aumento incalculável na violência cibernética contra crianças. Como podemos proteger todos esses milhões de crianças contra o abuso e exploração, envolvimento com drogas, tráfico, e agora também contra  o abuso on line?

Enquanto crianças deveriam ser crianças, aproveitando a infância, brincando e aprendendo, milhões delas continuam a ser traficadas para o sexo, como soldados, e para o trabalho forçado. Em vez de se sentirem amadas e cuidadas, elas são pinçadas da infância e de sua dignidade.

Gostaria de retomar o assunto do Papa Francisco e das Nações Unidas, onde estamos  reunidos hoje. Com o compromisso do Papa e dos 193 países que ratificaram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável pós-2015, e com os senhores aqui presentes, tenho a esperança de que a mudança seja  possível.

Vamos nos comprometer em Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças (ODS 16.2).

Vamos todos juntos alcançar essa meta!”

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