Projeto com jovens e mães transforma vidas na Casa do Zezinho

Vista aérea da Casa do Zezinho

“É Agora José!
A festa começou
O povo apareceu
A noite esquentou
É agora José!
Você que tem nome
Que gosta dos outros
Você que faz o bem
Que ama e protege
É agora José!”

É com este rap, inspirado no poema de Carlos Drummond de Andrade “E agora José?” que a educadora Dagmar Garroux mobiliza a Casa do Zezinho, há 16 anos, transformando a vida de milhares de crianças e jovens de baixa renda. Sempre de jeans e camiseta, a presidente da instituição   não faz questão de títulos, sendo chamada inclusive pelo meio empresarial, carinhosamente apenas de Tia Dag. Hoje a instituição atende 1.200 crianças e jovens de 6 a 21 anos, dos bairros de Capão Redondo, Parque Santo Antônio e Jardim Ângela, zona sul da cidade de São Paulo e proximidades.

Vinda de uma família de educadores, a pedagoga nunca se conformou com a exclusão e resolveu trabalhar desde muito cedo na periferia. Quando começou com a Casa do Zezinho, já havia trabalhado 21 anos, atendendo crianças na Favela do Fedô, Parque Arariba, também na zona Sul, ao redor da casa, onde morava com sua família. Ela alerta que os educadores devem estar atentos para a violência doméstica e acredita que é preciso trabalhar também com as mães para romper o ciclo de abuso e exploração sexual:

Qual o papel do educador em casos de suspeita de violência sexual?
No Brasil, ainda há o costume de não se ouvir e nem enxergar a criança. O educador precisa ter um olhar pequeno para ver os detalhes e um ouvido grande para escutar os meninos. Nos casos de abuso ou violência doméstica, as crianças colocam “japona” quando está calor, elas roem unha, se cobrem demais, se isolam, acabam demonstrando o que está acontecendo por meio de desenhos. Os zezinhos são fortes que passaram pela perversa seleção natural, não tiveram muitas vezes mamadeira. Os meninos sofrem muita violência doméstica e normalmente escutam das famílias: se eu soubesse eu tinha te abortado; não sei porque você existe!  Chegamos a fazer exposição aqui sobre ferramentas de tortura: faca, ferro quente, pau, chinelo para alertar e tentamos fazer terapia familiar.

Como vocês abordam as mães?
O que essas crianças e suas famílias vivem hoje é resultado da cultura do explorador escravagista. Quando a gente percebe algo errado, vai conversar com a mãe, com muita cautela. Normalmente, elas mesmas têm histórias difíceis, já foram exploradas, ou sofreram algum tipo de agressão. Chegam aqui armadas para falar mal dos filhos, mas eu as recebo num buffet, ofereço suco em copo de cristal e elas ficam se perguntando: Mas isso é para mim? Eu posso? Procuramos resolver com diálogo, porque a violência nasce pela falta de conversa.  Muitas mães chegam a chorar. Pergunto para elas qual era seu sonho e depois as convido para fazer parte de um espaço aos sábados com acupuntura, ioga, reiki, massagem e outras atividades.

Dá para solucionar problemas e conseguir bons resultados com conversa e diálogo?
Sim. A gente está trabalhando filosofia na Casa, os zezinhos sabem que têm direitos e confiam no educador. Desde seis anos, eles são estimulados a criar comissões com representantes de sala para resolver os problemas. Muitas vezes o aluno é extremamente agressivo, mas tem um motivo.  Conversando a gente descobre que é porque o pai foi preso, ou outra coisa aconteceu. Estabelecemos parcerias. A partir dos doze anos eles já trazem os problemas e as propostas todas por escrito, para aprender o ato da negociação.

De que forma é possível prevenir o abuso e a exploração sexual com projetos sociais?
Com educação, dando oportunidade de escolha para o futuro destes jovens. Oferecemos bolsas nos cursos, tem empresas apoiando os projetos e mostramos um mundo de possibilidades. Eles passam por experiências muito ricas aqui, outro dia vieram os lamas do Himalaia e também gurus da Índia, recebemos muitos estagiários de outros países. Hoje 70% dos meus funcionários vêm daqui de dentro.

Comecei uma oficina de robótica e o projeto foi crescendo, vamos fazer um laboratório de informática. Hoje, eles têm contato com muitas possibilidades da web 2,0, webdesigner e outros. Temos também a orquestra Toca Zezinho, que dá o maior trabalho para os pais deixarem participar, mas já vi muito homem chorando quando ouve o filho. Muitos zezinhos hoje estão na Universidade Livre de Música e outros até dando aula. Sempre incentivo todos eles a continuar estudando, fazendo especialização, mestrado.

Acho que todos nós podemos mudar esta situação dentro de casa mesmo, incentivando a empregada que não sabe ler a escrever, ensinando a mexer no computador. Dentro das empresas, ajudando a auxiliar de limpeza, o porteiro, todos.

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