Por que precisamos falar sobre o Dia Nacional da Educação Sem Violência?

No último fim de semana, em 26 de junho, foi celebrado o Dia Nacional da Educação sem Violência, data que marca a sanção da Lei Menino Bernardo. Esse momento deve ser de conscientização coletiva e mobilização social para intensificar os debates em torno do uso de castigos físicos e humilhantes contra crianças e adolescentes.

A origem do nome popular da lei nº 13.010/2014 faz alusão ao caso de Bernado Boldrini, menino de 11 anos que faleceu após receber uma superdosagem de medicamentos em abril de 2014, na cidade de Três Passos (RS). Os acusados do crime – o pai, a madrasta e dois amigos do casal – foram condenados em março de 2019. Segundo as investigações da polícia, Bernardo era uma vítima constante de tratamentos cruéis e degradantes por parte do pai e da madrasta e já havia procurado ajuda para denunciar as ameaças que sofria.

Educação violenta e a exposição de crianças e adolescentes ao abuso sexual

Aliado a esse fato, dados alarmantes coletados em uma pesquisa de 2021 , realizada pelo Instituto Ipsos em 134 municípios brasileiros, mostrou que, para cerca de 62% dos entrevistados, a violência pode ser utilizada como solução para a criança ou o adolescente “não virar bandido”. Além disso, 46% dos entrevistados concordaram com o trabalho infantil como forma de “ocupar o tempo ocioso”.

Para aprofundar o tema, conversamos com Maya Eigenmann, mãe, palestrante, escritora e influencer, que trata de questões sobre a educação respeitosa.

“A única relação na qual falamos ‘tudo bem bater’ é na infância, porque relativizamos a violência que aconteceu com a gente.”

Maya aponta que a educação violenta causa uma conivência com a violência sexual. Para ela, “a gente aprende a relativizar a violência. Um adulto que cresceu numa relação com seus adultos cuidadores com descaso, negligência emocional e física, pode normalizar isso.”

Por isso, confira dicas de como promover uma educação não violenta:

É urgente e imprescindível que a sociedade se questione e reflita sobre a repressão como método educativo e os impactos negativos que isso traz para os futuros adultos. Por outro lado, há inúmeras vantagens da prática não violenta. “Se eu educo minhas crianças de forma respeitosa desde que elas são pequenas e mostro para elas a diversidade de pessoas, de orientações sexuais e, inclusive, religiões, eles vão crescer respeitosos de verdade”, ressalta a escritora.

Comunicação não violenta

Reforce as interações respeitosas, com atenção e empatia, e a resolução de conflitos através da observação comportamental e escuta ativa. Deixe claro para a criança e adolescente que ele está sendo ouvido de forma genuína.

Disciplina Positiva

Essa abordagem tem o objetivo de educar as crianças com firmeza e gentileza, abrindo mão de atitudes punitivistas ou que proporcionem ofertas de recompensa para mudanças de comportamento. Uma disciplina positiva se baseia no relacionamento colaborativo entre criança e adulto.

Criação neurocompatível

Encontre uma forma de educar que se adapte às condições de desenvolvimento da criança, respeitando-a enquanto indivíduo. Nesse caso, a criação é centrada nas necessidades de crianças e adolescentes  que estão em desenvolvimento, no relacionamento entre criança e adulto – baseado na dignidade humana -, ou seja, ela não deve ser diminuída ou colocada em alguma situação punitivista e submissa pela sua condição infantil.

Maya acrescenta ainda que “precisamos lembrar urgentemente que nós somos o cérebro maduro e a criança é um cérebro em desenvolvimento”. Nesse sentido, cabe a adulto facilitar a vida da criança, apoiá-la e ajudá-la no que for necessário para o seu pleno desenvolvimento.

E o que diz a legislação brasileira?

A legislação brasileira garante diversos direitos à criança e ao adolescente e, assim, promove maneiras de se proteger legalmente do uso de força física e violência dos adultos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por exemplo, traz artigos que falam diretamente sobre essa questão. Os principais são:

  • 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
  • 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
  • 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.

Outro projeto de lei recentemente sancionado foi a Lei Henry Borel, batizada em referência à criança de quatro anos que faleceu em 2021 após sofrer um espancamento no apartamento em que morava com a mãe e o padrasto. Com a lei, fica definido que homicídio de crianças é crime hediondo, ou seja, passa a ser inafiançável e insuscetível de anistia, graça e indulto e a pena é cumprida a regime inicial fechado, dentre outras consequências de acordo com cada situação.

O combate a esses tipos de crime e a proteção da criança e adolescente são urgentes e necessários. O Panorama de Violência Letal e Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Brasil, lançado em outubro de 2021 pela Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), explicitou essa realidade: nos últimos cinco anos, 35 mil crianças e adolescentes foram mortos de maneira violenta no país.

Para Maya, um dos maiores desafios em fazer com que a pauta se popularize é a educação repressora que as gerações anteriores receberam e sua dificuldade em quebrar esse ciclo. “Existe um problema que é: o filho quer se manter fiel aos seus pais. Chegar na fase adulta e reconhecer que o que ele vivenciou na infância era violência seria quase como trair os próprios pais. E aí entramos na questão de que a maioria dos adultos não está disposto a tomar esse passo e reconhecer o que se passou na sua infância. A maioria continua colocando os pais num pedestal inquestionável de ‘ainda bem que eu apanhei, eu sou uma pessoa boa graças a isso’”, termina.

Denuncie!

Ajude a promover os direitos de meninas e meninos no Brasil. Em caso de suspeita de violação de direitos de crianças e adolescentes, denuncie pelo Disque 100, baixe o aplicativo Proteja Brasil ou procure o Conselho Tutelar mais próximo de sua casa. A denúncia é anônima!

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