As tentações e os perigos do ciberespaço

 Ilustração de Michele Iacocca para a cartilha Navegar com Segurança da Childhood Brasil

“Milhões de brasileiros vêm conquistando acesso à internet graças a diversos programas, mas campanhas educativas para que, desde o primeiro clique, ocorra uma navegação ética e segura não são feitas com a mesma velocidade e preocupação. Tudo isso depende de cidadania, questão muito anterior à internet.”

Essa é a opinião do psicólogo Rodrigo Nejm, diretor de prevenção da Safernet, organização criada em 2005 com a missão de proteger e promover os direitos humanos na internet e parceira da Childhood Brasil. Nesta entrevista, Rodrigo fala sobre os riscos que pairam sobre as crianças e os adolescentes internautas brasileiros e como conscientizá-los sobre os crimes cometidos on-line.

BLOG: Como encarar a sexualidade na era da internet?
RODRIGO NEJM: Quando um o adolescente publica cenas de sexo ou fotos sensuais de si mesmo na internet, nos encontramos diante de uma nova forma de expressão da sexualidade. Porém, ainda existe um tabu imenso em relação à sexualidade infantojuvenil, que independe da internet. Não se fala muito a respeito, e inúmeras famílias têm dificuldades em tratar do tema dentro de casa. Ora, nas redes sociais, nos sites de relacionamento e nos demais espaços da internet, a criança e o adolescente encontram pessoas e possibilidades para tirar todas as dúvidas e expressar tudo o que eles não tiveram condições de fazer em outros espaços presenciais. Por isso, é fundamental conversar com eles sobre a sexualidade em sua forma ampla e sobre os direitos sexuais.

Pais e educadores, muitas vezes, encaram a sexualidade como sinônimo de sexo, uma visão muito limitada. Como consequência, dizem que não é assunto para criança ou adolescente e restringem o acesso à informação. Não é preciso falar sobre sexo com uma criança de 7 ou 8 anos, por exemplo, mas sim instruí-la sobre sua sexualidade. Isso implica explicar a respeito de questões de prazer, do conhecimento do próprio corpo e dos limites das brincadeiras com o corpo de outras crianças – uma série de curiosidades sobre o desenvolvimento afetivo que todos nós temos desde que nascemos. O ser humano é sexualizado; há diferentes fases, e a cada etapa a criança precisa ser orientada sobre como desfrutar da melhor forma de seus direitos sexuais. É um tema complexo, muito amplo e delicado, que encontra resistências em diversas famílias e falta de preparo adequado por parte dos educadores para ser tratado na escola.

A internet contribuiu para o aumento de violações contra os direitos infantojuvenis?
Sim, favoreceu muito a prática desses crimes por conta da facilidade de o abusador ter acesso aos perfis das crianças e dos adolescentes. Fazendo uma rápida navegação, o sujeito chega a milhares de páginas de crianças e adolescentes, nas quais falam do que gostam, de que comunidades participam, para qual o time de futebol torcem, os programas de TV favoritos. Esses garotos e garotas podem vítimas de um abusador ou aliciador sexual que se passa por amigo, professor ou alguém da mesma idade. No fundo, os agressores querem é um jogo sexual, ainda que virtual.

A internet, então, expõe a criança e o adolescente a uma situação de risco muito maior. No ciberespaço, a garotada consegue encontrar inúmeros conteúdos de ótima qualidade para esclarecer suas dúvidas quanto à questão afetiva, ao desenvolvimento da sexualidade e ao próprio sexo. Pode também trocar ideias com seus pares. Mas igualmente corre o risco de chegar a sites com informação tendenciosas e a colegas virtuais que têm outras intenções. Nosso desafio é saber como potencializar a ajuda e minimizar o risco.

Quais são os crimes on-line de violação dos direitos infantojuvenis?
Um dos mais recorrentes é a produção e a distribuição on-line de pornografia infantil. Ligado a esse crime, há o que chamamos de aliciamento on-line – usando webcams e ferramentas de bate-papo, entre outros recursos da internet, o sujeito convence a criança – por meio da sedução ou de chantagem – a produzir e distribuir para ele fotos eróticas de si mesma ou filmes pornográficos. Pode pedir também que ela consiga, para ele, imagens sexuais dos irmãos e até de outros membros da família.

No caso do abuso, mesmo on-line, o adulto consegue forçar a criança a participar de jogos sexuais com ele, exibindo-se pela webcam, tirando a roupa, se masturbando ou até usando objetos com conotação sexual. Há também a simulação de pornografia com imagens reais, em que o sujeito pega uma foto simples da criança-alvo no site de relacionamentos e faz uma montagem, usando a imagem do corpo de alguma outra criança em situação de abuso. Isso passa a ser crime também no Brasil, de acordo com o novo texto do Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa prática acontece porque o abusador fantasia com a criança X e quer vê-la numa situação de sexo, ou porque pretende usar tal imagem como forma de aliciamento ou assédio a vítima. Ele apresenta a fotografia à criança para fazer chantagem, ameaçando divulgá-la como se fosse verdadeira.

Por que as crianças e os adolescentes não veem o risco de se expor na internet?
Trata-se de uma questão sociocultural. Vivemos uma época de supervalorização da imagem do corpo e da erotização precoce: cada vez mais cedo, se introduzem comportamentos sexualizados, antecipando fases. Ao mesmo em tempo em que há o tabu de não falar sobre a sexualidade infantojuvenil, o sexo em si ou questões ligadas ao sexo – que seria a última etapa da sexualidade – entram cada vez mais cedo na vida de crianças e adolescentes. Tudo o que vem antes ao sexo não aparece, não se discute; mas peças eróticas, roupas sensuais, falas de sedução, isso é apresentado de modo precoce, apesar de não vir acompanhado dos esclarecimentos ligados à sexualidade. Esse fato aumenta a vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes. Uma prova concreta é o fenômeno do sexting: crianças e adolescentes publicam fotos de si mesmos em posições sensuais e eróticas para os amigos verem. Trata-se do reflexo de uma sociedade que valoriza o sexo, o corpo, o consumismo, a competição e o individualismo.

Como ensinar a garotada a evitar as armadilhas do ciberespaço?
Existem alguns caminhos – é importante que a criança e o adolescente tenham algumas informações básicas sobre segurança na internet antes do primeiro clique. Saber que seus dados on-line ficarão disponíveis não só para seus amigos, mas também para milhões de pessoas. Para ficar protegido, é preciso entender que o ciberespaço configura o que chamamos de novo espaço público. A internet é como uma praça pública, gigantesca, planetária, com mais de um bilhão de pessoas frequentando. Tudo o que você fizer ali vai ser visto. Se uma criança divulga endereço e telefone, é como se distribuísse cartõezinhos com seus dados pessoais na escola, no ponto de ônibus, no shopping, na praça, na praia. Essa dimensão a garotada ainda não tem. Eles pensam que, no blog, no site de relacionamentos, naquele ambiente on-line, estão se relacionando apenas com o grupinho de amigos.

Por que crianças e adolescentes se expõem tanto na internet?
Nós, brasileiros, nos relacionamos de modo muito íntimo com o computador. A sociedade incorporou a concepção de internet como algo muito privado. A gente não entende a internet como espaço público: pensa que o que faz no ciberespaço não tem nada a ver com o que faria na praça, no trabalho, no shopping, na rua. Nos treinamentos da Safernet, perguntamos: alguma vez alguém já saiu distribuindo centenas de cópias da foto do happy hour na empresa ou do fim de semana em família? Todos dizem que jamais fariam isso. Mas as pessoas se exibem na internet! Uma foto on-line se torna muito mais pública no ciberespaço do que se estivesse num outdoor de uma avenida. Até pessoas que não têm prazer em se mostrar acabam se expondo sem querer.

Outro ponto: existe a concepção entre os jovens de que o legal é se exibir no espaço público. Basta contar o número de programas ao estilo “Big Brother” já realizados na TV, as revistas de fofoca… A sociedade de hoje valoriza a publicização da vida privada e cultua as celebridades – a garotada apenas segue esse exemplo. Mesmo os jovens que sabem da dimensão pública da internet acabam se expondo para fazer igual à turma; na maior parte dos casos, há se arrependem depois. Se eu me exibo na Praça da Sé hoje, amanhã ninguém mais verá minha performance. Mas se eu me exponho on-line, posso ficar no ar para sempre.

*Post originalmente publicado em 13/09/2010

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