Acadêmico e ativista social afirma que governo precisa dar mais ênfase à prevenção da violência sexual infantojuvenil

Ver meninos dormindo nas ruas sempre causou indignação em Benedito Rodrigues dos Santos. Desde muito jovem, ele sabia que precisava fazer alguma coisa para mudar aquela situação. Começou morando na favela para desenvolver projetos com a comunidade e não parou mais de trabalhar e estudar as políticas públicas e os direitos de crianças e adolescentes. Hoje, divide a carreira entre o mundo acadêmico e de ativista. Atua como consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Childhood Brasil e professor da Universidade Católica. Foi também assessor da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Secretário Executivo do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e um dos fundadores do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua.  Na avaliação do especialista, o governo precisa investir mais em políticas de prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes.

Como o senhor avalia o cenário do Brasil hoje em relação à proteção dos direitos de crianças e adolescentes?
Muitos municípios desenvolvem ações de enfrentamento à violência sexual e constatamos avanços especialmente em políticas de saúde e educação, mas é preciso maior articulação entre elas. Algumas ações do próprio governo acabam gerando mais exploração sexual, como algumas obras em rodovias. Para o movimento conseguir avançar e gerar ações de enfrentamento é preciso passar para a discussão de quem são os clientes e toda rede de exploração. É preciso agir com rapidez. A política econômica e social deve ser articulada pensando também na prevenção da exploração e do abuso sexual.

O governo colocou mais foco na exploração sexual, quando a maioria dos chamados do Disque 100 de Denúncia são de abuso dentro de casa. Além disso, é preciso melhorar o atendimento às vítimas e também ao agressor, para quebrar o ciclo de violência.

Outro desafio são as estatísticas na área. O nosso processo de mapeamento ainda é muito insipiente e ficamos sem saber que impacto os planos tem nos indicadores e na mobilização da sociedade. Os dados ainda são empíricos e vem das poucas avaliações de projetos individualizados.

O Estatuto da Criança e do Adolescente completou 20 anos, como foi participar de sua elaboração?
Por meio do Movimento de Meninos de Rua, criado em 1985, articulamos um grupo para a elaboração da redação do ECA e de lá para cá venho sempre buscando sua implantação. Na época não foi fácil, porque as pessoas não acreditavam muito nas leis, que antes funcionavam mais para proteção da elite. Os meninos achavam que isso não ia resolver nada. Mas, como eu estava ligado à universidade, conseguia articular os dois lados – o acadêmico e o ativista.

Como começou o seu interesse pela proteção da infância e juventude?
No mestrado em Ciências Sociais na PUC-SP, fiz uma análise da história da infância e cidadania nas sociedades ocidentais e a constituição da criança e do adolescente como sujeito de direitos. Mas meu interesse veio muito antes, quando comecei a estudar o filósofo Karl Marx na faculdade de Marketing, entendi a dinâmica do sistema capitalista e percebi que trabalharia sob outra perspectiva. Naquela época não se falava ainda em marketing social, mas no dia da formatura distribui um panfleto para todos alertando que deveriam dar ênfase para este tema. Eu participava de movimentos universitários da Igreja Católica e a Teologia da Libertação propôs um engajamento mais efetivo e radical com ações na periferia. Discutíamos muito os livros de Paulo Freire e outros autores mais críticos e humanistas.

Eu me envolvi tanto que acabei indo morar na favela Parque Santa Cruz, em Goiânia, com outros dois amigos, onde fiquei por três anos e meio. Sinto saudade da vivência de espiritualidade que tive e da celebração da vida em grupo. Queríamos que as pessoas fossem protagonistas de sua própria história e ajudamos a comunidade a se religar à defesa dos moradores, a participar do grupo de jovens e de outras ações.

Qual foi a reação da sua família na época e como foi recebido na favela?
Eu estava bem empregado, trabalhando nas empresas brasileiras nucleares. Foi um choque! Achavam que era um retrocesso, diziam que era um absurdo e que eu estava jogando a minha vida fora. Até um amigo sindicalista dizia que aquilo era um “suicídio de classe”. Fui convidado por uma freira progressista a trabalhar como professor no Colégio Santo Agostinho e foi uma revolução entre os alunos, porque eles começaram a frequentar a favela, mas o movimento não foi aceito pelas famílias de classe média e acabei tendo que sair de lá.

Na comunidade achava que éramos fugitivos ou comunistas (risos), mas aos poucos começaram a nos chamar para participar de movimentos, como o que ocorreu contra a expulsão dos moradores para a construção de um empreendimento. As reuniões eram debaixo do pé de pequi. Passávamos às vezes noites reconstruindo barracos.  Hoje eles têm a posse da terra e lá virou um bairro de classe média-baixa. Eles viram que éramos apenas leigos engajados, não queríamos tomar o lugar de ninguém apenas contribuir para o desenvolvimento da comunidade.

Que trabalho desempenhou com crianças e jovens lá?
Começamos nos aproximando dos “malas”, os garotos considerados malandros da favela que eram rejeitados pela própria comunidade. Conversávamos com eles nas paradas de ônibus e percebi que apresentavam agressividade e inconformismo muito fortes, mas tinham potencial que poderia ser canalizado. Convidamos estes jovens a participar de um grupo de teatro que dramatizava a história do bairro. Muita gente foi contra, porque eles eram os “maus elementos”, mas eles viraram atores e diretores de teatro muito criativos. Através da arte é possível canalizar a agressividade, dentro de um projeto para a comunidade.

De que forma esta experiência ajudou o senhor a desenvolver outros trabalhos?
Nos início anos 80, nos conectamos a um projeto terapêutico pioneiro, difícil de administrar, realizado em uma chácara, da Universidade Católica de Goiás, para jovens chamados “delinquentes” do sistema Febem, considerados os mais perigosos, que ateavam fogo em tudo. Foi uma experiência muito complexa, mas logo depois de um ano fui chamado a coordenar o projeto. Na época, embora o juiz local apoiasse a iniciativa, chegamos a receber críticas de órgãos oficiais e da mídia, de que estávamos acobertando bandidos. Propus trabalhar o espaço como uma aldeia indígena, com os elementos de integração do homem com a natureza. O projeto foi remodelado algumas vezes, mas continua até hoje.

Só que enquanto trabalhávamos com adolescentes de forma artesanal, o sistema produzia em escala industrial e percebi que precisava de ações mais estruturais na criação de um movimento, foi quando nasceu o atendimento ao menor infrator em meio aberto. Éramos chamados pela Febem para falar da experiência e entramos em contato com várias pessoas que estavam tentando alternativas similares. O resultado do projeto veio mais tarde com a criação do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, em 1985, do qual sou um dos fundadores.

Artigos relacionados